Não só as pessoas, mas também grupos humanos sofrem crises de identidade.
Nós, seres humanos, passamos por muitas crises. Mas são as crises de identidade que nos fazem experimentar um dos mais delicados momentos da nossa vida. Qualquer pessoa saudável emocional e existencialmente passa por uma crise de identidade, na qual a maneira como nos percebemos e somos percebidos sofre profundas alterações. As forças comuns propiciadoras do equilíbrio são abaladas; o chão nos foge dos pés; uma certa angústia vinda de um sentimento de vazio se instala; as respostas, as certezas, são engolidas pelas dúvidas; um flerte com a frustração, a tristeza e a depressão se mistura a um namoro com a esperança, o odor de novos ares, a silhueta de novos horizontes. Os chineses têm razão quando escrevem a palavra crise com dois ideogramas, um representando “perigo”, e outro, “oportunidade”. São exatamente estas as duas sementes contidas numa crise de identidade: o perigo de nos perdermos e cristalizarmos quem somos, repetindo automaticamente erros, ou a oportunidade de nos reinventar, superar limitações, corrigir rumos, sair da periferia e vir para o centro. Este segundo processo é capaz de equilibrar tudo em nós e nos religar à nossa vocação mais original.
Não só as pessoas, mas também os grupos humanos sofrem crises de identidade. Quando olhamos para trás, vemos na história da Igreja momentos quando ela entrou em crise de identidade. Somente para citar alguns exemplos, foi assim com o nascimento do monasticismo, no século 4; com a Reforma Protestante, em 1517; e com a eclosão do pentecostalismo, no início do século passado. Todos esses e outros movimentos marcados simultaneamente pelo perigo e pela oportunidade tinham algo em comum: eles clamaram por um retorno à identidade essencial da Igreja. Queriam respostas a questões cruciais, como qual a razão de ser da Igreja? O que essencialmente é sua identidade? Para que existe? Em busca dessas respostas, confesso, um dia já cheguei a me perguntar se Jesus realmente quis a Igreja! Qualquer leitura rasa dos evangelhos vai nos mostrar que o centro da pregação, da vida, da morte e da ressurreição de Jesus foi o Reino de Deus. Ele nos ensinou a orar dizendo “venha o teu Reino” e não “a tua Igreja”. Será que Jesus sonhou o Reino e o que veio foi a Igreja? A verdade é que Jesus também quis a Igreja. É claro que ele não idealizou prédios maravilhosos, líderes com habilidades gerenciais ou estruturas complexas consumidoras de recursos e energia na manutenção de programas que acontecem sem a necessidade de sua própria presença. Em seu projeto de Igreja, ele concebeu uma comunidade de discípulos que se reunia para adorá-lo e renovar as forças para viverem sua missão transformadora deste mundo. Esta é a conspiração divina iniciada por Jesus: discípulos cheios do Espírito Santo, imersos nas dores deste mundo, sendo instrumentos da concretização do Reino de Deus. Esta é a identidade original da igreja; é para isso que ela existe.
Mas o que aconteceu com este sonho? Uma autêntica busca de resposta a esta pergunta vai nos levar, como Igreja, a uma saudável crise de identidade. Muitas vezes, a resposta do que somos está no passado – daí a necessidade de fazer os retornos necessários. Porém, existimos no presente caminhando para o futuro, e precisamos fazer as atualizações necessárias. O caminho de retorno ao ideal perdido do Corpo de Cristo nos exige, em primeiro lugar, uma redefinição da Igreja como uma comunidade relacional e geradora de autênticos discípulos. A Igreja precisa ser um centro de formação espiritual que irradia a vida do Reino de Deus para o mundo. Por outro lado, é fundamental redefinir o que é o discipulado: um processo de formação espiritual que nos convida a ser uma encarnação histórica desse Reino. Falar de formação espiritual é falar de impactar e mudar o mundo, e não estabelecer métodos e programas eclesiásticos para o crescimento das igrejas.
Por último, o papel pastoral precisa ser necessariamente revisto. Na solução de sua crise de identidade, a Igreja deve superar essa dinâmica pedagógica passiva na qual se vai à igreja para ouvir, e não para ser desafiado a viver. Para que voltemos a ser Igreja, precisamos de pessoas comprometidas com Deus em se tornarem pais, mães, mentores espirituais e agentes de formação cristã, amando mais os indivíduos do que as multidões – embora estas sejam resultado abençoado do investimento em pessoas –, e que, consequentemente, recusem-se a ser meros animadores de auditório ou líderes gerenciais de grandes projetos. Que uma santa crise de identidade venha sobre todos nós, fazendo-nos protagonistas de um retorno ao sonho original de Reino de Deus que transforme nossas igrejas em centros de formação espiritual.
Um comentário:
Irmão,
Falei de você no meu blog. Passa por lá, pega o selinho e olha a confusão que eu arrumei.
Abraços
Danilo
http://genizah-virtual.blogspot.com/2009/05/l-uclecia-me-mandou-dois-selinhos-de.html
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